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31 de jul. de 2009

SOBRE A ESPERANÇA



Esperança é o sofrimento da vontade
razoável de correr atrás de uma sobra
de alegria que supomos tenha restado
exclusivamente para nós na vida...
Especialmente aquela que tão simples
ninguém quis, e assim restou perdida...

É quando não podemos tomar posse
de uma árvore que floresceu no pomar
da felicidade humana proibida...

Então a esperança é o padecimento
de acreditar na possibilidade mínima
de tomar posse da sombra da árvore
proibida... Mas toda sombra é uma estrada
livremente asfaltada de luz adormecida...

É quando a esperança é essa vontade
irresistível de caminhar até o crepúsculo
e tomar posse do que resta de cada dia
como o lado luminoso de uma sombra
atirado nos escombros da alegria...


Julis Calderón

A RUA DE NOSSA VIDA



A rua de nossa vida deveria ser tão calma
o quanto são os verdes vales em que passa
a brisa, para quem, apenas estar passando,
é o ofício da liberdade de ser brisa...

Pela rua de nossa vida deveriam passar
apenas crianças de tenra idade, que cantam
quando se esvaem seus corações num ímpeto
incontrolável de felicidade.

Os enfermos de amor que recompõem
a canção do entardecer e o pássaro cantor
que em seus monólogos mais comoventes
redescobre o tom das sinfonias inacabadas,
como os poetas as juras de conspiração
das palavras de ternuras reinventadas.

Lembranças de paisagens desconhecidas.
Os bêbados de fé, as dançarinas em êxtase
subitamente paralisadas, os gemidos de dor
das portas ancoradas nas sombras
já mortas sobre as calçadas.

Os operários temporariamente livres
das correntes da escravidão, que buscam
na vaga claridade da esperança a dimensão
da vasta liberdade que jamais terão...

Julis Calderón

HOMILIA DA CONTRADIÇÃO



Com o tempo que perdi demolindo muros
eu teria construído um castelo de amor para sonhar
se não tivesse perdido tanto tempo construindo muros
para depois tombar.

Com o tempo que perdi desfolhando mágoas
eu teria tempo de secar as lágrimas pelo que não fiz
se tivesse tempo para convencer o mundo que olvidar a pranto
também é ser feliz.

Com o tempo que perdi protegendo frutos
eu teria me encantado muito mais com o pomar
se não tivesse perdido tanto tempo espantando pássaros
que não ouvi cantar.

Com o tempo que perdi removendo espinhos
eu teria todo o tempo reservado para o meu jardim
se tivesse aproveitado a vida para ser melhor do que o lado pior
que há sepultado em mim.


Julis Calderón

29 de jul. de 2009

(AS)AMOR(AS)



Bom é aprender a não colher amoras
além dos muros frágeis dos pomares
pois entre as aves moram as auroras
que vivem das amoras dos pomares.

Se Deus pode prover nossas desoras
com primícias do agora sem pesares,
proveja Deus, então, que tuas horas
sejam desoras para os teus pesares.

Se Deus quer operar algo espantoso
como o êxtase dos corpos estelares,
pode o amor de nós dois virar razão.

Se o amor vier do instinto generoso
será como as amoras e os pomares
onde esse amor pode virar paixão...


Afonso Estebanez
(Soneto dedicado a Jane Vasconcelos, pelo seu
aniversário, uma homenagem especial à exímia
formatadora das Rosas de Sarom)

28 de jul. de 2009

COISAS DO CORAÇÃO



Se as pedras não sabem do instinto da flor
que sabem as sombras do instinto de mim
se pedras não guardam memória de amor
nem guardam princípios ou meios do fim?

Quem tem a certeza de algum porventura
se a brisa nem diz quando vem ao jardim,
se cá dentro d’alma há essa doce ternura
de guizos ou mantras ou sons de flautim?

Se eu mesmo não sei o que foi a ventura
dos tempos perdidos do amor em motim,
que entendem os dias de minha aventura
se a aurora só chega em finais de festim?

Se a água das nuvens não sabe da altura
e cai como o arco-íris do céu de carmim,
que sabe o teu pranto da minha candura
que cai das alturas bem dentro de mim?

Afonso Estebanez

23 de jul. de 2009

ALMA DE MENESTREL



Não deve morrer um dia
sem que a noite seja tua
nem meu sono sonharia
sem uma canção da lua...

Nem deve correr um rio
tão distante de seu leito
passa a noite vem o frio
eu distante de teu peito...

E nem te seja saudade
a saudade que me vem
por amor não há idade
pela idade que ele tem...

E vais tu levando a lua
pelas ruas do meu céu
com a alma quase nua
por teu doce menestrel...

A. Estebanez

2 de jul. de 2009

SONETO DO AMOR PRESENTE



Se o coração transpôs tanta distância
havida entre minh’alma e teu destino
é provável que eu torne à tua infância
e retome os meus sonhos de menino.

Às vezes fim e às vezes circunstância
vez por outra esperança ou desatino,
vai meu amor num rio de abundância
como a infância num gozo repentino.

Prometo não deixar que essa tristeza
descendente da ausência de nós dois
seja herdeira comum dessa saudade.

Quiçá o amor nos seja uma surpresa
em que sonhar não seja mais depois
mas agora em tamanha eternidade...

Afonso Estebanez
(Homenagem a Vinicius de Moraes)

O TAMANHO DO AMOR...



O amor pode ser muito mais simples
do que abrir a janela da alma de manhã
e contemplar aquela flor mais obscura
que nasceu por acaso em teu jardim...

A flor vai surpreender-te tanto
que não terás mais tempo para nada...
Nem mesmo para não acreditar
que no instante tão breve de uma flor
há um instante eterno para amar...

Ou muito mais que isto, pensarás
que és teu próprio mito de felicidade
se te fizeres brisa da manhã chuvosa...
Perceberás que o relógio do teu tempo
fica parado ao passar a eternidade
no perfume suave de uma rosa...

E Deus será teu cúmplice de êxtase
e proverá a eternidade para a tua flor...
É juízo d’Ele que tu tenhas a medida
das raízes mais profundas desta vida,
do tamanho do teu imenso amor!

Afonso Estebanez
(Dedicado à minha doce amiga
Luise Borghesi)

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