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26 de mar. de 2009

AUTO DAS BARCAS (CANTO VI)


Conheço todos esses tontos navegantes
e todos os seus casos e descasos,
seus encontros e desencontros,
mesmo aqueles com os quais nunca falei:

– O profeta que perdeu toda a família no circo incendiado...
– O pregador religioso que cobiça a mulher do irmão perdido
na cruzada missionária do tráfico da fé...
– O papa-léguas dos quilombos do Grande Rio, que leva a filha para a
escola pública no subúrbio da Leopoldina...
– A mulher que perdeu o filho drogado num desastre de automóvel...
– A jovem que rompeu a vulva na cerca de arame farpado...
– A moça que perdeu a virgindade no selim da bicicleta...
– O imbecil que sempre ocupa o lugar destinado ao paraplégico...
– A balconista despedida porque não quis dormir com o patrão...
– A menor que pede esmola para o tio cafetão...
Sou múltiplo, sou todos eles,
Nossa Senhora da Ilha da Conceição!
– O candidato político que nunca foi eleito...
– O peão de xique-xique que é calouro profissional...
– A escritora de olhos verdes que faz versos com o sexo...
– Essas mocinhas atrizes de espetáculos beneficentes...
– O fanático que tem a fórmula para matar a fome nacional...
– Esses líderes sociais que padecem de diarréia ideológica...
– Essas mulheres a néon com luzes de motel na cara...
– O mendigo que tem uma mansão na baixada fluminense...
– O mestre que perdeu a embarcação na neblina...
– A enfermeira que carrega uma scania-vabis no traseiro...
– Os garotos que se afogaram no acidente de trajeto...
– Vendedores ambulantes, skatistas, putas e travestis...
– E os pequenos (tu)um(l)tuários
desse síndrome social
que nunca mais terão (c) asa própria
com esse sistema financeiro
de emancipação nacional...

Afonso Estebanez

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