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18 de fev. de 2015

ENTRE OS LENÇÓIS DA LUA


Tão longo o cancioneiro do riacho
no seu destino de cantar tão vago
sob o crepúsculo no vasto abraço
da mortalha da noite sobre o lago.


Entre os lençóis da lua no terraço
jaz o tédio da alcova sem o afago
da pastora por quem é o cansaço
da solidão de tudo onde naufrago.

Separando a alegria das tristezas
atiro-me nas minhas profundezas
e vou morar na estrela da manhã.

O riacho se vai, e eu permaneço.
E no espaço de mim eu anoiteço
nessa espera infinita do amanhã.

Afonso Estebanez Stael

28 de dez. de 2014

FELIZ ANO NOVO



Ano novo deve ser apenas um novo ano
daquele velho motivo que todos os anos
faz a gente pensar que este ano vai ser
feliz... Mas ainda é o velho tema...


Apenas sensação de permitir que sonhos
mortos enterrem os seus sonhos mortos,
enquanto a gente desperta antigas rosas
das que ainda permanecem adormecidas
nas páginas jamais abertas do jardim...

E nada de brincar de novos sofrimentos.
Ainda há muita amargura que necessita
de um funeral compatível com a liturgia
da cura pelos perdões não concedidos...

Então, depois de removida tanta pedra
desses túmulos todo ano reinventados,
a gente deseja apenas que o ano velho
acompanhe este ano novo no momento
de entrar pelas soleiras do coração...

Sementes de amor numa das mãos
e uma flor despojada dos espinhos
na outra mão...


Afonso Estebanez

9 de nov. de 2014

ROSAS DO SUL



Repousei minhas rosas andarilhas
numa ilha de agaves sem encanto
um deserto enfeitado de gravilhas
em vias de morrer de desencanto.


Com amor infinito a flor-do-campo
abraçou minhas rosas como filhas
do pólen que gerou o terno canto
do pranto ritmado em redondilhas.

Enquanto havia pausa obrigatória,
julgava que estivesse na memória
esse destino de seguir em frente.

Não só! Eu sou o espírito da rosa
que exalta essa paixão misteriosa
que por amor revive para sempre!

Afonso Estebanez – 03.11.2014

 
(Dedicado a Maria Madalena Cigarán – a Dama das Rosas
tintas de vinho e sangue da extrema liberdade concebida!).

16 de set. de 2014

SINTOMA DE MELANCOLIA


Aqui, no meu crepúsculo compraz-me ainda
o riacho entoando um cântico sem mágoas.
Ô! das mais lindas sensações é a mais linda
a dos lamentos indo embora com as águas.

Aqui revivo o amor que ainda me deságuas
de entre sussurros de saudade que a fiinda
do riacho persiste em resgatar das fráguas
do desfecho final de uma paixão não finda.

Quantas vezes ainda à sombra desse exílio
tão longo amor fará de mim ledo andarilho
da solidão onde os amantes vêm sonhar...

Assim, amor! Que nos percamos pela vida!
Eis sussurrando uma canção desconhecida
vão os riachos como nós, morrer no mar...

Afonso Estebanez Stael

15 de set. de 2014

AMOR DE PRIMAVERA


O amor como a primavera
é um estado de vida urgente
que não deve ser esperado
como chuva de verão...
Não, amor, não deve não!

É necessário levantar bem cedo
(enquanto a aurora dorme ainda)
e partir à procura do amor
nas lonjuras do coração...
Antes que chegue o verão!

Bom levar a vida bêbada
num traçado de brisa ao ponto
que ao sonho a alma se junta...
Antes que seja tão tarde
e ao amor pareça nunca!

Afonso Estebanez

SONETO DE AMOR BUCÓLICO


Aqui me tenho só entre infinitos lados
de verdes vales entre rosas renascidas,
das horas idas dos amores já passados
quebrei o cálice das mágoas e feridas.

Leguei às aves entoar minhas cantigas
nos arvoredos sobre o rio debruçados,
nas águas atirei as vestes mais antigas
desse crepúsculo de sonhos fatigados.

Muitas vezes adormeci mirando a lua
adernando no céu como uma caravela
destinada a ancorar na minha solidão.

E hoje hei crido que o luar é uma rua
de onde vem a lua abrir minha janela
para ficar com meu amor no coração.

Afonso Estebanez


[Arte de  Christian Schloe]

MORRI


Morri...
O sonho dormiu demais
e não viu as primaveras
passarem nos roseirais.

Morri...
Morri de amores banais
e de saudade de tantos
não vividos nunca mais.

Morri...
Sonhei os sonhos da lua
ou vivi entre as estrelas
das poças d’água da rua.

Morri...
Mas se a vida continua,
foste começo da minha
e eu fui começo da tua.

Afonso Estebanez

8 de set. de 2014

SÉTIMA ROSA DO ORIENTE

Em algum lugar distante
de minha alma desolada
carrego o luto constante
de um dia sem alvorada.

Eis de ti me desencante
toda a paixão confinada
e eis exilada se encante
com a alma despertada.

Além de luto é saudade
da regressão venturosa
de uma rosa no jardim.

O portão da eternidade
fica no arco-íris da rosa
que fica dentro de mim.

Afonso Estebanez
(In coleção de “Rosas do Oriente”)

7 de set. de 2014

DECLINAÇÕES LATINO-AMERICANAS


(nominativo)

o sujeito substantivo
pronominal composto solidário
bruto selvagem na rua sem fronteira
oculto numa idéia em pulsação

mediador da glória e da miséria
servil pastor de restos de grandeza
rebento espúrio do amor incestuoso
que junge a liberdade à servidão

está elítico
como o grito
numa boca
de canhão...

(genitivo)

daí a Deus o que é de Deus
daí ao rei o que é do rei
a noite eterna aos amantes
depois da noite do rei

à praga a safra que míngua
no solo fértil do rei
navegai de rio acima
pois rio abaixo é do rei

é de Deus o pensamento
que há no voo inconfidente
das asas presas do rei

é do homem a liberdade
gerada
no lado quente
da cama fria
do rei...

(dativo)

para ser o mandatário dessa gente
pelo aumento do produto do perdão
contra a inflação do custo da concórdia
e a denúncia vazia de justiça social

para ser o projeto dessa gente
pelo aproveitamento dos recursos
nacionais de solidariedade humana
pelo overnight da misericórdia
pelo fundo de garantia da liberdade

para ser o contragrito dessa gente
é necessário revelar apenas
que se é um bípede mamífero racional

ao revés de provar que não se é o Cristo
o Semideus
ou o Messias
de que o povo
necessita...

(vocativo)

bem-aventurados sois vós
que arribais por tempo longo
remorrendo de desastre
ferroviário no estômago

dão-vos o pão de segunda
mas vós nascestes sem dente
e a ponte do vosso grito
não atinge o continente

tributados pela sorte
cifrada na mão alheia
vós não temeis as aranhas
porque não tendes a teia

vós sois bem-aventurados
neste mundo de duendes
em que vos mandam matar
inimigos que não tendes

faminta terra que suga
sangue que volta a brotar
vós sois bem-aventurados
porque estais de pé

e não
sabeis
andar...

(acusativo)

não julgueis que eles pretendam
sierras madres transcisandinas
o objeto direto da tirania
é o reino dos céus impossíveis
pela espada intransitiva do poder

Deus porém não vai à guerra
nem anjos se digladiam
as noites navegam noites
e os dias cumprem seus dias

os tiranos então conjugam
e julgam que subjugam
o paraíso

usando homens
como verbos
intransitivos...

(ablativo)

na miséria
na miséria daquele homem
no grito da miséria daquele homem
na garganta do grito da miséria daquele homem
no fundo da garganta do grito da miséria daquele homem

a justiça cega
não pode ver Deus
disfarçado
de fome...



Afonso Estebanez

18 de jun. de 2014

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